Jean-Claude por Diego Avelino, ator

“Nosso primeiro Natal juntos, em 2022. Nem ele nem eu gostamos de Natal”
“Nosso primeiro Natal juntos, em 2022. Nem ele nem eu gostamos de Natal”

Ele sempre esteve comigo

Minha história com Jean-Claude Bernardet não começou quando me mudei para seu apartamento no Copan, nem mesmo durante as filmagens de “Meio Irmão”, filme de Eliane Coster, no qual fui protagonista e ele, o consultor e provocador sagaz do roteiro.

Tudo começou numa infância cheia de sonhos, quando eu mal tinha dez anos. Minha mãe me presenteou com um livro que guardei como um tesouro: “São Paulo S/A – O filme de Person descrito por Jean-Claude Bernardet”. Eu já respirava cinema, sonhava ser ator e diretor, e acreditava que aquelas páginas me ensinariam a escrever histórias — quem sabe, um dia, a dirigir minhas próprias.

Anos depois, em 2014, formei-me na Escola de Arte Dramática da USP (EAD/ECA/USP). Em 2016, veio o filme “Meio Irmão”, e com ele, Eliane — o elo que me levaria a Jean-Claude. Mas o mais bonito dessa história é que só percebi há poucas semanas: ele sempre esteve comigo. Primeiro, quieto na prateleira, acompanhando meus devaneios de adolescente. Depois, ao meu lado, por quase quatro anos, até semanas atrás.

Poucos dias antes de partir, contei a ele sobre o livro. Rimos daquela coincidência do destino. A vida é mesmo poética: nunca imaginei que um dia dividiria meu cotidiano com o autor daquela obra que guardei como um “mapa” para o futuro.

O livro “São Paulo S/A – O filme de Person descrito por Jean-Claude Bernardet” e a vista da cidade pela janela do Copan
O livro “São Paulo S/A – O filme de Person descrito por Jean-Claude Bernardet” e a vista da cidade pela janela do Copan

Em 2022, ao deixar o Crusp após me formar em Letras (Português-Francês) pela FFLCH, estava sem rumo — até que Eliane Coster surgiu com um convite inesperado: morar com Bernardet. Ele não queria cuidadoras, mas aceitou a companhia de um jovem ator que falava francês no seu apartamento. E assim, sem planejar, passei os últimos anos dividindo o ordinário da vida com um dos maiores nomes do cinema brasileiro.

Eu sabia quem ele era, claro. E fazia questão de espalhar: aos amigos, aos desconhecidos, aos meus alunos do Ensino Médio, que passaram a admirá-lo tanto quanto eu. Mas meu orgulho não vinha do teórico brilhante — vinha do homem.

Do Jean-Claude que dividia o pão, as histórias, o silêncio. Do homem que transformava o trivial em algo extraordinário, porque, no fim das contas, é no simples que a vida se revela. Ele foi meu lar. E serei eternamente grato por isso.

Há uma memória que carrego com especial carinho. Certa vez, perguntei àquele homem que se reinventou tantas vezes: “O que você ainda gostaria de ser?” Ele sorriu, e com seu “r” gutural tão francês, confessou: “Querrria ser bailarrrino.” Jean-Claude, aos 90 anos, dançaria no Theatro Municipal. Não chegou lá — partiu pouco antes dos 89. Mas, no meu coração e nos meus pensamentos, ele nunca parará de dançar. É assim que o vejo agora: leve, livre, girando em algum palco invisível, onde a vida é mais do que palavras num livro — é movimento, é arte, é eternidade.

Dança, bailarrrino, dança!

Jean-Claude e Diego na frente da lousa para recados, em foto tirada por Tata Amaral, em 2024, enquanto Jean-Claude falava com a filha, Lígia
Jean-Claude e Diego na frente da lousa para recados, em foto tirada por Tata Amaral, em 2024, enquanto Jean-Claude falava com a filha, Lígia
Diego Alexandre Avelino
Diego Alexandre Avelino

Diego Alexandre Avelino é ator formado pela Escola de Arte Dramática da ECA-USP. Ele entrou na turma 61 e se formou com a turma 62. Entre alguns filmes que participou estão “Meio Irmão”, “Cordialmente Teus”, “Amar Nunca Seca”, “Maníaco do Parque”, “O Animal Cordial”. Também é palhaço e professor de literatura, redação, produção e interpretação de textos e africanidades e já foi professor de francês e teatro.

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