
O jornalista Camilo Vannuchi (turma 1997) está lançando a biografia de Dom Angélico Sândalo Bernardino, um dos maiores nomes da igreja progressista, da resistência à ditadura militar e da luta pelos direitos humanos no Brasil, cuja coragem e compromisso com a justiça social marcaram sua trajetória. O livro tem prefácio de Paulo Teixeira e orelhas do Padre Júlio Lancellotti. Leia abaixo a resenha de Fernando Brengel (turma 1982).

Coincidência ou prenúncio de uma trajetória emblemática? Fato é que ao escolher o nome do bebê nascido em 1933 no distrito de Saltinho, Piracicaba (SP), os pais da criança acertaram em cheio. Angélico Sândalo Bernardino carrega consigo fé, força e propósito.
Angélico, anjo ou mensageiro. Sândalo, segundo a Bíblia, expressão simbólica do bem que combate o mal. Bernardino, corajoso, “forte como um urso”. Some-se esses afortunados predicados e o resultado não poderia ser outro, Dom Angélico.
De maneira a registrar sua vida e legado, Camilo Vannuchi nos brinda com “Dom Angélico, um abraço de quebrar os ossos”, livro sensível e emocionante a respeito da importância do biografado, sua luta em prol dos mais pobres, a dedicação às causas populares, a disposição em não se render ao arbítrio da ditadura militar, o ativismo baseado na humanidade dos ensinamentos de Cristo.
Além do sacerdócio, Dom Angélico abraçou a profissão de jornalista, sabendo honrá-la com a mesma valentia que o fez, por exemplo, ao ameaçar deitar-se nos trilhos da RFFSA até que a empresa colocasse cancelas de segurança no trecho em que um terrível acidente entre um trem e um ônibus vitimou 22 pessoas. Mediante a firmeza do religioso, a companhia agiu imediatamente, afinal, Dom Angélico não era homem de falar da boca para fora.
Ordenado bispo em 25 de janeiro de 1975, na Catedral da Sé, por Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Angélico voltaria ao santuário no final de outubro desse mesmo ano para participar do histórico culto ecumênico dedicado a Vladimir Herzog. Meses depois, celebrou a missa de sétimo dia de Manoel Fiel Filho, assim como Herzog, torturado e morto nos porões do DOI-CODI em São Paulo.
Destemido, consciente de suas crenças e a despeito da possibilidade de ser execrado por uma parcela da opinião pública, liderou o ato interreligioso que antecedeu à prisão de Lula, seu amigo de décadas.
A atuação de Dom Angélico, no entanto, transcendeu os púlpitos e qualquer traço de conforto ao qual faria jus. Nas mudanças de diocese preferiu atuar junto às comunidades completamente desassistidas. Era a oportunidade que, entendia, Deus havia lhe reservado para, junto a seus filhos que sofriam, amassar barro, limpar o terreno e animar a realização de mutirões responsáveis por erguer casas para quem não tinha teto, bem como chamar a atenção do poder público para a fome, a carestia, o desemprego e tantas outras questões.
Sabedor da necessidade de reverberar as demandas sociais de maneira a sinucar o Estado, incitando-o a agir em prol dos desfavorecidos, Dom Angélico criou veículos de comunicação que espetavam na veia a brutalidade do sistema. Notadamente nos anos de chumbo, não retrocedeu das suas teses, via imprensa ou pessoalmente, ao peitar os poderosos, mesmo que isso significasse a possibilidade concreta de ser entregue ao martírio a que tantos brasileiros foram expostos.
Embalado pelo lema “Deus é amor”, Dom Angélico fez da busca pela justiça, da defesa dos direitos humanos, da crença no Homem e na difusão da palavra de Cristo, as marcas de uma existência interrompida em abril de 2025 aos 92 anos.
Mais que apresentar uma personalidade repleta de bondade e espírito combativo, a obra de Vannuchi leva-nos a toda uma sorte de questionamentos. Ler o seu relato resgata-nos a necessidade de voltarmos a semear utopias, a batalhar por uma sociedade igualitária, digna, baseada na esperança e na fraternidade, as mesmas que pautaram a caminhada de um guerreiro batizado com um nome tão forte quanto os seus ideais.

O autor. Jornalista, escritor e professor, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, Camilo Vannuchi é autor das biografias “Marisa Letícia Lula da Silva” (2020), “Eu só disse o meu nome” (2024) – a respeito do seu primo em segundo grau, Alexandre Vannuchi Leme, assassinado pela ditadura militar – e este “Dom Angélico, um abraço de quebrar os ossos” (2025). Entre outras atividades, Vannuchi foi secretário da Cultura de Diadema (SP) e membro da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo.

Serviço. “Dom Angélico, um abraço de quebrar os ossos”, Camilo Vannuchi, 160 páginas. Autêntica Editora e Instituto Vladimir Herzog, 2025, à venda nos formatos físico e digital no site do grupo Autêntica, na Amazon, na Livraria da Vila, entre outras.

Fernando Brengel é publicitário formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP — ele entrou na turma 1982, mas acabou fazendo o curso de Publicidade e Propaganda com a turma de 1983. É diretor de criação da agência Presença Propaganda e diretor da Empório Barilotto Bebidas & Sabores.


