Zé Celso por Ferdinando Martins, professor da ECA

Ferdinando Martins, professor do CCA
Ferdinando Martins, professor do Departamento de Comunicações e Artes (CCA)

Levaremos décadas para dar conta do significado de José Celso Martinez Corrêa

São muitas as revoluções por ele empreendidas, moleculares e rizomáticas. A multidão que lotou o Teatro Oficina no dia de seu velório, regado a muita música e celebração, demonstra a amplitude de seu legado, que se estende para além do teatro e das artes, alcançando camadas mais densas e estruturantes.

Era a vivência de uma micropolítica e de uma estética da existência, exercício radical da liberdade que transformou a vida em obra de arte. É fácil dizer que vida e arte não se separam, difícil é converter o discurso em prática, e isso Zé Celso não teve medo de fazer. Antecipou há mais de cinco décadas as novas epistemologias de sexo e afeto. Experimentou as potencialidades de seu corpo e a expansão da consciência. Vontade e desejo radicais marcaram sua defesa do território do Bixiga e do seu teatro, sem ceder às pressões, que não foram poucas.

Não por acaso, Zé Celso esteve presente na trajetória de vários docentes e pesquisadores da USP. Além de mim mesmo, destaco os professores Cibele Forjaz, Marcos Bulhões e Luiz Fernando Ramos. Também se debruçaram sobre o legado do Oficina alunos de pós-graduação como Thiago Arrais Pereira, Letícia Coura, Igor Martins e Biagio Pecorelli, cujos trabalhos podem ser encontrados no banco de teses e dissertações da universidade. Figura, também, no livro Metrópole e Cultura, da vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, como um dos marcos da modernização cultural na cidade de São Paulo.

Em relação a sua estética, equacionou os problemas levantados pelos modernistas, ampliando a ideia de antropofagia, diluindo as fronteiras entre erudito e popular. Tupi or not tupi tornou-se um mantra, da Tropicália à sua criação ímpar, a tragycomediaorgia, que diluiu a ideia burguesa de personagem e construiu coros e ditirambos. No final dos anos 1960, suas montagens de O Rei da Vela, Roda Viva e Gracias, Señor tornaram-se emblemáticas de uma geração.

Cena de “O Rei da Vela”, montada pelo Teatro Oficina em 1967, com direção de José Celso (Foto: Divulgação CosacNaify)
Cena de “O Rei da Vela”, montada pelo Teatro Oficina em 1967, com direção de José Celso (Foto: Divulgação CosacNaify)
Zé Celso, em “Gracias, Señor”
Zé Celso, em “Gracias, Señor”

Nos anos 2000, a transformação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em cinco espetáculos monumentais. Em 2007, no intervalo entre uma parte e outra de Os Sertões, foi ator dirigido por Marcelo Drummond, seu marido, em Santidade, peça de Zé Vicente proibida durante o período militar. Encarnou Ivo, um homossexual mais velho e deslumbrado que abrigava um ex-seminarista convertido em garoto de programa (magistralmente interpretado por Haroldo Costa Ferrari). Lembro, nessa ocasião, dele dizer que Santidade deveria ter sido impressa em papel arroz, como as bíblias. E Zé conseguiu, de fato, transformar o espetáculo em uma epifania, uma comunhão paradoxalmente católica e pagã.

Zé Celso, na sua montagem de “Os Sertões”
Zé Celso, na sua montagem de “Os Sertões”

Lembro, também, dele falar que para ser dionisíaco era necessário ser extremamente apolíneo. Que assim sejamos. Evoé!

Ferdinando Martins, professor do Departamento de Comunicações e Artes da ECA

Compartilhe
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

#main-content .dfd-content-wrap {margin: 0px;} #main-content .dfd-content-wrap > article {padding: 0px;}@media only screen and (min-width: 1101px) {#layout.dfd-portfolio-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars,#layout.dfd-gallery-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars {padding: 0 0px;}#layout.dfd-portfolio-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars > #main-content > .dfd-content-wrap:first-child,#layout.dfd-gallery-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars > #main-content > .dfd-content-wrap:first-child {border-top: 0px solid transparent; border-bottom: 0px solid transparent;}#layout.dfd-portfolio-loop > .row.full-width #right-sidebar,#layout.dfd-gallery-loop > .row.full-width #right-sidebar {padding-top: 0px;padding-bottom: 0px;}#layout.dfd-portfolio-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars .sort-panel,#layout.dfd-gallery-loop > .row.full-width > .blog-section.no-sidebars .sort-panel {margin-left: -0px;margin-right: -0px;}}#layout .dfd-content-wrap.layout-side-image,#layout > .row.full-width .dfd-content-wrap.layout-side-image {margin-left: 0;margin-right: 0;}